Mexido

Pacha Urbano
2 min readOct 16, 2021

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Coração, de Lourenço Mutarelli.

Tem duas palavras que gosto de usar por serem muito abrangentes em seus sentidos, ao mesmo tempo que essa abrangência as coloca num lugar de incertezas desses próprios sentidos. Elas meio que batizam sentimentos inexprimíveis. A primeira é “gastura”, e a segunda é “mexido”.

Namorei uma mulher que é argentina, e passei um bom tempo explicando o sentido de algumas expressões e palavras em português do Brasil, e foi muito difícil (e divertido) tentar explicar essas duas. Assim como é difícil explicar a um lusófono o significado de desubicado, que poderia ser traduzido como deslocado, mas é muito mais do que estar fora de lugar, é também estar fora de prumo, perder as estribeiras ou ser equivocado etc, dependendo do sentido. E ao explicar “estar mexido”, esbarrava em várias indefinições.

Fiquei pensando nessas coisas porque passei o dia mexido. Não exatamente meditabundo, pensativo, mas é algo mais como um incômodo, como um troço que às vezes a gente esquece e, quando lembra de repente, volta a incomodar. Calombo de meia dentro do calçado, sabe? Por outro lado, também não é algo perturbador. Estou mexido com alguma coisa indefinida. Parei e fiquei um pouco reflexivo, fazendo um esforço consciência para discernir isso, e parece que estou tateando o interior de uma bolsa, adivinhando o vulto das coisas com a ponta dos dedos.

Ficar mexido é isso também. Uma indistinção de sentimentos ou emoções, só está lá, lembrando que algo está fora de lugar. Que também não é desubicado, nem exatamente uma gastura, embora possa vir a ser. Estou mexido talvez por algo que inconscientemente detectei e não atinei. É uma sensação estranha isso de ficar mexido. Nem fundamentalmente é um incômodo, nem melancolia. É um trem, um negócio coisando. Talvez mexido venha disso mesmo, de mexer e bagunçar, e as coisas ficarem fora de lugar de maneira que a gente bate o olho e sabe que tá diferente.

Tô aqui num desabafo porque talvez pondo em palavras consiga vislumbrar ao menos os contornos disso que passeia nessa bruma, que borra a definição. Estar mexido é isso afinal. Detectar esse desalinho e entender que coisas se movem nos pensamentos sem que a gente apreenda bem.

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